Por três dias consecutivos na semana passada, durante o depoimento do ex-sargento da PM Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco, um nome chamou a atenção entre os mais de 100 ouvintes que acompanhavam a audiência por videoconferência do Supremo Tribunal Federal (STF): Mohana. A filha do réu colaborador, de 28 anos, assistia e ouvia o pai, mas não era vista, pois mantinha sua câmera desligada.
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— Ver a imagem dele me embrulha o estômago. É difícil olhar para ele, conversar. Olho e penso comigo mesma: "O que você fez, Lessa?" Já pensei em mudar de nome por causa dele. Pelo menos o sobrenome. Pensei em tirá-lo da minha identidade. Mas ele é meu pai, e nunca deixará de ser. As coisas nunca serão como antes. Agora ele tem que assumir e pagar pelo que fez — conta Mohana, com exclusividade ao blog Segredos do Crime.
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Segundo ela, até a delação do pai, era uma "defensora ferrenha" de Lessa, acreditando em sua inocência.
— Ele sempre alegou inocência. Chegava a chorar comigo. Hoje entendo que ele fazia isso para se proteger. Eu estudei minuciosamente os processos dele, tentando ajudá-lo em sua defesa. Até as pesquisas que ele fez, eu descobri que eram matérias de jornal. Fui até o advogado dele e expliquei que 70% delas eram de matérias jornalísticas. Não sabíamos das buscas do CC Fácil (pesquisa feita por Lessa, usando o e-mail de uma pessoa falecida, descoberta pela Força-Tarefa Marielle e Anderson, do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), sobre as buscas aos endereços da vereadora). O endereço da Rua do Bispo, no dia 12, dois dias antes da morte de Marielle, era a pior prova contra ele, até então. Eu não conseguia aceitar isso, mas continuei sendo sua defensora ferrenha — relatou a filha do delator.
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Pesadelo em família
Formada em educação física, Mohana especializou-se em futebol e chegou a morar em Orlando, nos Estados Unidos, onde tinha uma bolsa de estudos. Ela, então com 21 anos, estava lá em 12 de março de 2019, quando o ex-sargento da PM foi preso pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), sob o comando do delegado Giniton Lages, e pelas promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile, do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ.
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Foi a partir desse momento que o pesadelo na família começou, conta a filha. Ela largou o trabalho nos Estados Unidos para cuidar do irmão, que tinha 14 anos na época, além da avó. Em outubro de 2019, foi a vez de sua mãe, Elaine Lessa, e do tio Bruno serem presos sob acusação de obstrução à Justiça. A própria Mohana chegou a responder a um processo por contrabando de peças e acessórios de armas de fogo. Segundo a versão do réu colaborador, Lessa pedia que ela lhe enviasse o material para montar fuzis de airsoft e de pressão a gás.
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A Justiça absolveu Mohana. A juíza da 5ª Vara Federal Criminal do Rio, Fernanda Resende Domnice, entendeu que não havia provas suficientes de que ela tinha conhecimento do crime, “sendo plenamente possível imaginar que seu pai, à época policial militar, estivesse legitimado a fazer tais importações”. Lessa foi condenado a seis anos e oito meses em regime semiaberto. Elaine e Bruno, no processo por obstrução de Justiça, foram condenados a quatro anos de prisão, mas a pena foi substituída por medidas socioeducativas e prestação de serviços à comunidade. Elaine, assim como Mohana, foi absolvida da acusação de contrabando de peças e acessórios para armas.
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— Minha mãe tem muita mágoa do meu pai por tudo que passamos por causa dele. Passei cinco anos defendendo-o, até ele fazer a delação. Fiquei em choque. Eu me dediquei a ele. Engordei 50 quilos com isso tudo. Tenho doenças como TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) e tricotilomania (impulso de arrancar fios de cabelo e pelos do próprio corpo para alívio da tensão), que se agravaram muito. Hoje faço terapia, tomo quatro remédios controlados e fiz uma bariátrica — desabafou.
Segundo Mohana, ela, a mãe e o irmão Igor Lessa chegaram a trabalhar em um estúdio de tatuagem, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, mas o negócio não deu certo. Atualmente, após ter o currículo recusado em vários empregos por descobrirem que ela é filha de Ronnie Lessa, Mohana ganha a vida como consultora acadêmica, fazendo correções ortográficas e estruturais em trabalhos de faculdade, além de traduções. O irmão montou um estúdio no quarto de casa, onde faz tatuagens, enquanto Elaine, apesar de ser nutricionista, passou a trabalhar como body piercing.
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Mohana disse que o pai nunca deu detalhes do que fazia para a família. Para ela, Lessa era um policial respeitado e, após a bomba que explodiu em sua caminhonete blindada em 2009, deixando-o sem a perna esquerda, sempre o viu como herói. Como sargento reformado da PM, na opinião da filha, o delator demonstrava que tentava usar as aptidões da mulher, uma nutricionista, e da filha, professora de educação física, para montar uma academia. O ex-sargento — que foi demitido da PM por ser réu no processo de Marielle — chegou a ter uma academia na favela de Rio das Pedras, na Zona Oeste, mas devido a um atrito com o ex-capitão Adriano da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime, precisou fechar.
Ao se aprofundar no processo do pai, Mohana disse que lhe veio à mente os tempos em que cogitou ser advogada, algo que o pai mencionou na audiência de instrução e julgamento na ação penal pelos mandantes da morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
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— Desde pequena, sempre falei que queria fazer Direito. Cresci vendo o advogado Nélio Andrade com o meu pai, embora, na audiência (do STF, na semana passada), tenham falado que um dos filhos dele desmentiu. O Doutor Nélio dizia que eu seria estagiária dele, mas entendo por que disseram isso. Ninguém quer ter o nome associado ao meu pai. Eu mesma continuo visitando o meu pai por ser filha dele. Não posso abandoná-lo. É meu pai. Estou levando as coisas para ele na cadeia. É diferente. Não consigo olhar para ele, nem o beijar mais. Ele era meu herói. Embora eu seja religiosa, perdoá-lo é complicado. É difícil perdoar — concluiu.
Depoimento de Lessa e de Élcio
O réu colaborador Ronnie Lessa depôs nos dias 27, 28 e 29 do mês passado, na audiência de instrução e julgamento da ação penal contra os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. São réus: o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ), Domingos Brazão; seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão; o ex-chefe de Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa; o policial militar Robson Calixto Fonseca e o major Ronald Paulo Alves Pereira.
Nesta segunda-feira (02/09) prossegue o depoimento da testemunha de acusação Élcio de Queiroz, iniciado na última sexta-feira. Ele foi o primeiro réu a colaborar, após o caso passar para a Polícia Federal. O delegado federal encarregado da investigação sobre os mandantes, Guilherme Catramby, convenceu Élcio e, em seguida, Lessa, a confessarem ter matado Marielle e Anderson, e fazer um acordo de colaboração premiada, celebrado na presença do Gaeco do MPRJ e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em seguida, a delação foi homologada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.
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O réu colaborador Élcio, que dirigiu o veículo usado na emboscada à vereadora no dia do crime, volta hoje para responder a perguntas da defesa do delegado Rivaldo Barbosa. As sessões serão retomadas no dia 09 de setembro, com os depoimentos das testemunhas de defesa. O desembargador Aírton Vieira preside as sessões, pelo ministro relator Alexandre de Moraes, e o promotor Olavo Pezzotti, representa a PGR.